REFLEXÃO

02-08-2011 17:36

CORES DA ALMA

 
O item lexical ‘negro’ vem do Latim ‘niger, nigra, nigrum’, significando, por volta do século XIII, cor preta ‘preto‘, sujo, lúgubre; nessa acepção, deriva da raiz -nec(r)~-neg(r), semantema relacionado a escuro (= a cor da morte [necrose, necrotério, etc.], do luto e da tristeza, em algumas culturas) e à negação, negativo, como em ‘negócio‘, que é a negação (ação de negar, impondo seu contrário) do ócio. Negro/a, então, seria a negação (ou a afirmação do seu contrário, do seu oposto) de quê? Acaso é o sujo, contrário de limpo? Ou o escuro, contrário de claro? É o negativo, contrário de positivo? Ou o escuro, sem cor, negação da cor? O léxico, de qualquer língua, é prenhe de ideologia e valorações sociais, historicamente construídas, e nossas escolhas lexicais podem construir e legitimar mentalidades. Quando os romanos nomearam as/os africanas/os de ‘nig-’, impingiram a elas/eles toda a carga semântica, socialmente contruída, da raiz -nec(r)~-neg(r). Cada vez que usamos, de forma pejorativa, o lexema ‘negra/o’, em alusão às cidadãs e aos cidadãos afro-descendentes, legitimamos e fixamos os valores hitórico-sociais construídos e atribuídos a esse povo.  Os povos de cor escura são inferiorizados, discriminados, humilhados e excluídos das esferas e dos espaços de prestígio social. Relegados ao abandono e à pobreza, no geral, salvo poucas exceções, são intimidados e impedidos de desenvolver suas habilidades. Quando as desenvolvem, a despeito dos obstáculos, não podem visibilizá-las. São tratados pela sociedade como incapazes e desprovidos de alma. São reificados, são peças. Tudo isso de forma sutil e quase imperceptível a olho nu, com o aval da sociedade e as bênçãos dos representantes de Deus. A esfera mais poderosa de fixação e legitimação dessas injustiças cósmicas é a do sagrado. As formas de manifestação e de experienciação do sagrado são diferentes, de povo para povo, de cultura para cultura. Algumas são legítimas e reconhecidas outras não; algumas inferiorizadas vão, paulatinamente, conquistando respeito, a maioria nem consegue externar sua existência. Algumas formas de expressão e experienciação do sagrado são consideradas ‘religião’, outras são ‘crenças’, e outras são ‘seitas’. Tudo o que não for considerado ‘religião’ deve ser combatido, expurgado. Logo, seus seguidores serão perseguidos. Assim, os afro-descentes se vêem forçados a se ‘converterem’ a alguma ‘religião’ para salvarem, não as suas almas, mas as suas peles.
Quem decide? Com base em quê e sob quais critérios e circunstâncias?
As mulheres e os homens de cor escura, amparadas/os pela lei, ainda que em pequeno, mas significativo número, vêm cada vez mais conquistando espaços na sociedade. Com isso, essas mulheres e esses homens estão podendo mostrar que são tão capazes como qualquer outro ser humano, que são tão sensíveis quanto qualquer pessoa, que são humanos até mais que muitas pessoas que se julgam muito humanas. Essas mulheres e esses homens possuem alma e coração; são amáveis e sensíveis; são inteligentes e sábios; trazem em si a sabedoria milenar (e até mais) de seus ancestrais e uma profunda consciência cósmica, expressa no respeito a seu semelhante e a si mesmas/os. 
Ora, a alma não tem UMA cor! A alma é de todas as cores! A alma colorida pela alegria e pelo amor faz bem a toda a Humanidade e é disso que precisamos: de almas coloridas
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